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MASSACRE POLICIAL NO RIO DE JANEIRO: EXPRESSÃO CONCRETA DA BARBÁRIE E DAS DISPUTAS INTERBURGUESAS FRENTE À CRISE DO CAPITAL

Viernes, 07 Noviembre 2025 17:43

A recente operação policial, denominada Operação Contenção, acionada nos Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, não pode ser compreendida senão como a expressão mais aguda e sangrenta da violência de classe inerente ao Estado burguês. Mobilizando 2.500 agentes, blindados e helicópteros, a ação resultou em um número de mortos que, após a mobilização dos moradores para resgate dos corpos, chegou a 121 vítimas, além de 113 presos, sendo a mais letal da história, ultrapassando o Massacre do Carandiru (1992), configura-se como um marco que evidencia os efeitos mais perversos das tendências abertas pela conjuntura de crise que se aprofunda diante da decomposição do imperialismo e sua expressão nos bonapartismos sui generis e a reação burguesa por meio dos seus governos de turno para a manutenção do seu poder político e econômico.

A operação impôs uma espécie de estado de exceção, paralisando escolas, universidades, postos de saúde e inviabilizando o transporte, gerando um colapso urbano e prejuízos objetivos à classe trabalhadora da cidade. O rescaldo final só ocorreu porque os próprios moradores resgataram e enfileiraram os corpos em uma praça, muitos deles apresentando sinais de execução sumária (tiros na nuca, facadas e decapitações). Essa cena é a mostra de uma tentativa de ocultação. O veto da Polícia à presença de Defensores Públicos no IML tinha a clara finalidade de esconder da opinião pública os sinais da barbárie. Para além do massacre, seguem agora as ações de assédio da Polícia Militar às famílias das vítimas e aos moradores que tentaram registrar em vídeos a execução dos extermínios.

O cotidiano da favela se torna, sistematicamente, uma zona de guerra permanente. Trata-se da materialização violenta de uma política de Estado semicolonial enraizada na superexploração de classe e  no racismo estrutural, legitimada pela máxima reacionária, amplamente difundida pela ideologia burguesa de combate ao crime “bandido bom é bandido morto” e instrumentalizada como ferramenta de disputa política na conjuntura pré-eleições gerais.

A violência do Estado no Brasil avança em meio a um aprofundamento da crise social, marcada pelos impactos diretos de políticas de corrosão de direitos, dos serviços sociais básicos e pelo aumento da exploração via precarização do trabalho na relação com o capital que avança via reformas, privatizações e políticas de austeridade fiscal. A flexibilização das relações de trabalho culmina na precarização das condições objetivas de vida da classe trabalhadora, sobretudo, os moradores em favelas e das periferias de conjunto.

O avanço da crise no mercado de trabalho, gerando a alta informalidade, a uberização e os baixos salários, produzem uma situação catastrófica, que empurra grande contingente da juventude moradora de favela, ao tráfico de drogas, algo que no Brasil é estrutural, pois totalmente atrelado aos atores e instâncias do Estado burguês, na sua divisão social do trabalho. No Rio de Janeiro, a proximidade física entre bairros abastados e favelas, onde cerca de 22% da população vive em situação informal e com acesso precarizado aos serviços básicos, evidencia a segregação e as disparidades nas condições de vida. A taxa de desemprego entre jovens (10 a 24 anos) é de 20,5%, sendo a maior taxa do país para este grupo. Cerca de 202 mil jovens fluminenses estão desempregados nesta faixa etária.

Para além do tráfico, o crescimento da presença das milícias no território e de seus representantes nas esferas de governo ampliam o terror nas comunidades. A guerra territorial entre traficantes e milícias  pode pressupor a ideia de "poder paralelo" e suas regras próprias. Esse controle coercitivo e extorsivo dos grupos armados impacta diretamente o cotidiano das comunidades. A dinâmica dos combates entre as facções e milicianos, somado às operações policiais frequentes, geram uma situação de barbárie, historicamente jamais superada. 

Todavia, sendo o Estado o instrumento de dominação de classe - no caso, da burguesia no sistema de produção capitalista - não há materialidade na ideia de um “poder paralelo” ou de um “Estado ausente” utilizada para justificar o crescimento do narcotráfico no estado semicolonial brasileiro. O que ocorre no Rio de Janeiro, e também em outros estados e regiões dominados por facções e narcotráfico, é que o Estado negocia e regula sua forma de presença nos espaços populares. Objetivamente, funciona como um tipo de agência reguladora do crime que organiza ou desorganiza as facções desde dentro, garantindo a previsibilidade e a estabilidade dos arrendamentos territoriais que permitem a continuidade do negócio do crime. Vale observar que o massacre se concentrou no território do Comando Vermelho, mas poucas operações significativas ocorreram em áreas dominadas pelas milícias da Zona Oeste e Baixada Fluminense, que são a base eleitoral do Governador Castro. A letalidade seletiva, ao poupar líderes e milícias, revela que pessoas são assassinadas para fins políticos e econômicos. Vale lembrar que as cadeias produtivas do narcotráfico são internacionais e, cada vez mais, ampliadas globalmente pelo mercado financeiro e que, portanto, seus verdadeiros operadores encontram-se muito longe das favelas do Rio de Janeiro.  

O governo de Cláudio Castro (PL) adota uma política que avaliza a prática do homicídio em serviço como métrica de produtividade, incentivando a dita "gratificação faroeste" (bônus de até 150% do salário para policiais por aniquilar suspeitos). Embora o governador tenha vetado a lei do bônus, ele não vetou sua lógica, que continuou a ser estimulada. Meses antes da chacina, o governo atuou politicamente para esvaziar os freios jurídicos impostos pela ADPF 635 (ADPF das Favelas), buscando a liberação total da força letal.

Castro classificou publicamente os integrantes do CV como "narcoterroristas", uma terminologia que visa transformar o alvo em um inimigo de guerra cuja aniquilação é justificada, impondo um estado de exceção à própria justiça burguesa e delimitando o campo político ideológico mais reacionário. Isso também se alinha ao fato de o governo do Rio de Janeiro ter fornecido um relatório de inteligência ao Consulado dos EUA com o objetivo explícito de classificar o Comando Vermelho como uma Organização Terrorista Estrangeira (FTO). Essa busca pela classificação FTO, expressa mais uma frente de ação dos setores da burguesia nacional mais alinhados ao imperialismo e, especificamente, com a política intervencionista de Trump para a América Latina, pois a classificação permitiria aos EUA imporem sanções financeiras diretas e estender a jurisdição dos EUA sobre instituições e indivíduos no Brasil, que já fora concretizado no contexto político do julgamento de Bolsonaro. 

Está claro que a questão da violência urbana e o combate ao narcotráfico está sendo instrumentalizada como um dos debates centrais para o período eleitoral e a operação policial do Rio de Janeiro se reveste como arena crucial na disputa entre setores que polarizam a política burguesa no país. Há um ano das eleições, o débil governo de Cláudio Castro (PL), com a Operação Contenção, reativou momentaneamente a “extrema direita” que estava cambaleante, desde a crise dos Bolsonaro. Observava a reação da Frente Ampla a partir do tarifaço de Trump e a adoção da falácia da defesa da soberania nacional.

Após a Operação Contenção, acirrou-se a disputa no Congresso Nacional relacionada à pauta da segurança e sobre a forma de combate ao narcotráfico. A Frente Ampla burguesa Lula/ Alckmin propôs o projeto de lei "Antifacção", que busca definir legalmente facção criminosa e oferecer novas ferramentas de investigação às autoridades, como a possibilidade de infiltração em empresas e o monitoramento de comunicações em unidades prisionais. Adicionalmente, o governo busca aprovar a PEC da Segurança Pública, que tem como objetivo promover uma maior integração entre as polícias federais e estaduais, com foco em inteligência e coordenação. A oposição também se articulou, defendendo a equiparação de facções criminosas a grupos terroristas, o que resultaria em penas mais rigorosas e poderia facilitar a cooperação internacional. O setor mais reacionário também deu seguimento à instalação de uma CPI para investigar o crime organizado.

Os eventos deflagrados pela ação violenta do Estado do Rio de Janeiro, devem ser entendidos no marco da decomposição dos estados semicoloniais na relação com o imperialismo decadente. Nos bonapartismos sui generis as disputas interburguesas se acirram ainda mais, para definição de quem será aquele que melhor aplicará as políticas definidas pelo imperialismo e seus organismos. Lembremos que Lula uma semana antes da Operação tinha iniciado, na Malásia, negociações com Trump sobre o tarifaço, e uma semana depois ficaria com todo o holofote voltado para si na COP30. 

Em meio às análises midiáticas e as disputas discursivas / eleitorais sobre quais as melhores políticas para administração dos negócios da burguesia e o enfrentamento da sua banda podre - de forma mais “inteligente e unificada” ou mais “bélica”- , a Operação Contenção demonstra que o terreno da disputa é econômico e não territorial. Levanta-se, inclusive, que a Operação tinha como objetivo a “queima de arquivo” de lideranças do Comando Vermelho que poderiam implicar figuras do governo no comércio do armamento pesado presente nas favelas. Enfim, a Operação desmascara que a classe trabalhadora é bucha de canhão do Estado como representante da burguesia e suas diferentes frações, que disputam por mercados, lucros e instrumentos de dominação.

Ante a essa conjuntura, as direções políticas e sindicais dos trabalhadores, seguem como muro de contenção e da política do governo federal. Sequer levantaram a paralisação dos locais de trabalho como forma de garantir a segurança dos trabalhadores em meio ao cenário de guerra instaurado. Está mais do que claro que todo movimento é orquestrado visando a disputa eleitoral do próximo ano. A Frente Ampla burguesa Lula/Alckmin defende os interesses da burguesia e busca se demonstrar um executor “responsável” da política do imperialismo.

Em última instância, é necessário a imposição do corte de classe na análise da questão da segurança pública. Os governos de plantão trabalham única e exclusivamente para construir saídas aos seus negócios e interesses, em sua maioria dirigidas pelo capital de monopólios internacionais, o que concretamente revela o grande engodo que se levanta junto ao combate ao Narcotráfico. 

Há cenário recessivo, inflacionário e de aprofundamento das crises, os limites das lutas dos trabalhadores esbarram na crise de direção revolucionária que se acentua na condução das direções reformistas e burocráticas agindo como muro de contenção das lutas políticas contra o capital e seus agentes.

A tarefa apresentada de conjunto pelo reformismo e o centrismo aos trabalhadores, mais uma vez, é vencer as eleições. O movimento de massa deve enfrentar essa Frente Ampla, mas também derrotar as políticas reformistas e da adaptação centrista ao Estado burguês. A política do centrismo (PSTU e MRT) resume-se às denúncias e exigências aos governos e ao Estado, passando pela desmilitarização imediata das polícias, fim da "Guerra às Drogas," que serviria de complexo ideológico para o extermínio, exigência de uma investigação imparcial das mortes e a responsabilização dos governantes que promovem a letalidade, ou seja, mais uma vez buscando uma melhor administração do Estado burguês como se o conteúdo de classe burguês pudesse ser descolado do Estado burguês.  

O fato é que não direcionam as ações da classe com impacto na produção. Qualquer ação deve estar atrelada, portanto, a um programa operário que de fato paralise a produção para a imposição de nossas demandas e pautas. Os sindicatos devem assumir um papel importante na organização dos trabalhadores frente à violência estatal. É preciso organizar a autodefesa e impor os métodos de classe que avancem na desorganização da burguesia e coloquem em xeque suas formas de dominação através de um programa transicional que ataque as bases da política imperialistas e suas expressões nos governos de turno das semicolônias.

Como caracterizou Trotsky, em 1938, o maior problema que se coloca, diante do estágio atual de decomposição do imperialismo, é a ausência de direção revolucionária, que coloque a centralidade da luta nos processos de produção do capital, desorganizando a burguesia. Para que essa direção consciente se forje na luta, é preciso levantar a necessidade da recuperação dos sindicatos e organismos de classe, da retomada dos nossos métodos próprios de luta, do internacionalismo proletário, da construção de um partido revolucionário, a IV Internacional.

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